Por mais que eu pareça um ateu, não nego a possibilidade de uma razão divina que escapa à razão dos homens.
Vivemos tempos em que a dúvida se veste de arrogância e a fé, muitas vezes, se confunde com fanatismo. Mas há, entre os extremos, uma zona silenciosa, quase sagrada, onde habita o mistério. É aí que me coloco.
Não dobro os joelhos diante de dogmas, nem me deixo seduzir por certezas prontas. Questiono, argumento, examino. Contudo, por trás dessa aparência cética, reconheço um limite: há algo que transcende o cálculo, algo que desafia a lógica e a linguagem.
Chamar isso de “razão divina” não é capitular ao irracional, mas admitir, com humildade, que a inteligência humana não é a medida de todas as coisas.
Tal como a luz que atravessa um vitral, fragmentando-se em cores invisíveis ao olhar direto para o sol, a verdade pode se revelar não pela força do intelecto, mas pela abertura do espírito.
Se Deus existe, talvez não esteja nos altares que os homens erguem, mas no próprio impulso de buscá-lo. E, se não existe, ainda assim essa busca molda em nós uma inquietude que é, por si só, profundamente humana e — quem sabe — divinamente inspirada.
Meu propósito não é apenas especulativo. Desejo alcançar a liberdade verdadeira e a felicidade duradoura, não por meio de uma fé cega, mas por uma compreensão profunda da realidade — especialmente de Deus.
Minha idéia central gira em torno de Deus, mas não do Deus das religiões pelas quais já passei ao longo da vida. Para mim, Deus não é um ser pessoal, separado do mundo, que observa e intervém nas ações humanas.
Entendo que Deus é a própria realidade — ou, como disse Baruch Spinoza: Deus sive Natura. Tudo o que existe é expressão desse único ser infinito.
Isso significa que, para mim, Deus não criou o mundo a partir do nada, como um artesão que faz uma cadeira. Deus é o mundo. Tudo o que existe — cada pedra, cada árvore, cada pensamento — é manifestação de Deus.
Essa visão costuma ser chamada de panteísmo, mas prefiro, como alguns estudiosos, chamá-la de panenteísmo, pois concede a Deus uma dimensão ainda mais abrangente: Deus não apenas está em tudo, como tudo está em Deus.
Para mim, Deus é a substância única do universo — aquilo que existe por si e é causa de si mesmo. Tudo o mais — homens, animais, planetas — são modos ou expressões dessa substância.
Essa substância possui infinitos atributos, mas conhecemos apenas dois: pensamento e extensão. Ou seja, tudo que é mental e tudo que é material são modos pelos quais Deus se expressa.
Isso desfaz a velha separação entre corpo e alma. Corpo e mente são duas faces da mesma moeda, manifestando-se simultaneamente no mesmo ser.
Como Deus é tudo, Ele não age por desejos, vontades ou fins. Deus não quer nada, não muda de ideia, não pune nem recompensa. Ele age por necessidade. Tudo o que acontece, acontece porque tinha que acontecer.
Essa visão causa abalos na fé tradicional, pois nega o livre-arbítrio absoluto. Na verdade, os homens agem movidos por causas internas e externas que muitas vezes desconhecem. Liberdade não é fazer o que se quer, mas compreender por que se quer o que se quer.
O ser humano, por essa ótica, é livre à medida que compreende sua posição no todo e age em harmonia com a razão, aceitando os desígnios da natureza como expressões inevitáveis de Deus.
O bem supremo é o que podemos chamar de beatitudo — a bem-aventurança racional. Isso não se alcança por obediência dogmática, mas pelo conhecimento claro e distinto das coisas, o que culmina no amor intelectual de Deus.
Esse amor não é emotivo, mas racional. Amar a Deus é compreender a realidade em sua totalidade, aceitar a ordem do mundo e, por isso mesmo, sentir-se uno com o universo.
Não há céu nem inferno. A salvação é aqui e agora, na vida presente, por meio da razão. A alma não é imortal num sentido pessoal, mas participa da eternidade de Deus enquanto pensa de modo verdadeiro.
Por essa visão, posso ser acusado de ateísmo — o que seria um equívoco. Acredito profundamente em Deus, só que num Deus que não se assemelha a um rei ou a um pai, mas sim ao próprio ser.
Pauto-me por uma teologia racional, que une razão e mística, ciência e devoção. Uma espécie de evangelho filosófico para um mundo moderno.
O impacto dessa visão me parece profundo, pois exige que abandonemos a imagem infantil de um Deus que faz milagres e adotemos uma postura adulta diante da realidade.
Convido você a contemplar a eternidade no aqui e agora, a viver com coragem, clareza e amor pelo que é — mesmo que isso nos custe algumas ilusões reconfortantes.
O que proponho é um chamado à liberdade interior, à paz com o universo e ao amor por um Deus que é tudo: silencioso, presente e absolutamente necessário. Se assim vivermos, viveremos em harmonia, com amor, pautando-nos pela verdade e pela justiça. Talvez a minha própria visão tenha a ousadia de divergir do pensamento de Spinoza. Mas isso será o conteúdo de futura postagem.